10 de maio de 2016

O boy machista de Esquerda


Dizem por aí que um boy machista de Esquerda é o mesmo que um boy machista de Direita. Mas eu acho que não é não amiga, e eu explico. O boy machista de Direita é perceptível a olho nu, não fica tímido ao dizer coisas vergonhosas e agressivas em público e nem por compartilhar no facebook aquelas postagens absurdas da página “Orgulho de ser hétero” ou “Bolsonaro Presidente”. O boy machista de Direita colou no tanque de gasolina do carro aquele adesivo de apologia ao estupro usando a figura da presidenta Dilma. Ele também desfila pelo ambiente universitário e nem precisa usar no pescoço a placa de “otário” para que mulheres de Esquerda e feministas passem longe ou não se envolvam com ele. Mas o boy machista de Esquerda... Ah, esse boy é uma incógnita difícil de lidar.

O típico boy machista de Esquerda é o cara articulado, que está em todos os rolês rodeado de amigos que "botam muita fé' nas coisas que ele fala. Ele tem espírito de liderança, sabe citar vários autores famosos que dão status na rodinha de humanas e é um “apoiador” do feminismo e das feministas. Até onde convém, claro.



Existem vários tipos de contextos e atitudes de boys, caras e homens machistas. Nesse texto eu faço um recorte para o ambiente universitário e os espaços de atuação de movimentos e coletivos. Estou falando de boys que são jovens, heterossexuais e brancos. Direciono o recado porque homens brancos são maioria nesses espaços e ocupam posições de liderança. Homens negros também são machistas, mas ainda representam menor número em relação aos homens brancos em ambientes acadêmicos e academicistas e, além disso, carregam outro tipo de vivência ao ter que enfrentar o racismo cotidiano dentro e fora dos espaços de militância e a violência policial. Não sou preparada e nem a voz para falar sobre essas diferenças, então vou falar daquele carinha admirado nos palanques e que usa de seus privilégios, da máscara de revolucionário e da proteção de outros homens de Esquerda para ser sorrateiramente tão machista quanto um de Direita. 


O boy machista de Esquerda é aquele cara que a princípio encanta e seduz pelo discurso, pela aparente segurança e pela quantidade de fãs. Quando nós (meninas e mulheres) chegamos à universidade ou em algum coletivo para militar e o vemos sendo aplaudido nas assembleias e dizendo coisas legais de se escutar, a inexperiência (com os homens, a vida e a militância), a naturalização da opressão e a romantização desse ideal masculino faz com que a gente não perceba que meia hora depois o discurso de solidariedade e igualdade pode ser bem seletivo.




O boy machista de Esquerda convida a gente para participar dos espaços de formação política, mas silencia nossa voz e se apropria do nosso discurso. Ele faz isso quando  repete algo que já dissemos ou para ele ou em público, mas repete e reformula de um jeito tão bonito que quase ninguém percebe quem foi a dona da ideia. E o que acontece quando nós entendemos as tentativas de silenciamento e cobramos posicionamento, espaço ou lugar de fala? Ele diz de um jeito bem doce que estamos exagerando. Machistas de Esquerda e de Direita são iguais na essência, como já escreveu minha parceira de reflexões, Thaiz Cantasini, em seu facebook:

“Por não ter escuta, subjuga o que a mulher sente e muitas vezes não perderá a oportunidade de ironizá-la mesmo quando ela chora. Por não dar voz a quem condena, cria situações onde a mulher grite por justiça e escuta. E é neste momento que ele a chamará de louca. Um machista silencia porque tem sua versão de mundo pronta e todo comportamento feminino que rompa com a hierarquia que ele estabeleceu, lhe será insuportável”. O boy de Direita te chama de louca sem pudor e argumento, o de Esquerda te faz acreditar que você é. 




A mesma lógica também vale para os relacionamentos amorosos. O jeito manipulador e a fama de gente boa e apoiador do feminismo faz com que ninguém acredite que o boy de Esquerda também é capaz de ser um abusador. Além disso, muita gente (inclusive nós, às vezes) acha até que ele merece um broche de “honra ao mérito” por ser tão “compreensivo” e se relacionar com mulheres que pregam e lutam por liberdade e equidade. Mas nada é em vão e para o machista de Esquerda a hipocrisia não tem limites. 

Ele manipula o uso do discurso do empoderamento feminino em benefício próprio e faz questão de enaltecer a mulher livre, mas a liberdade só serve se estiver o servindo sexualmente. Nós continuamos sendo tratadas como objeto. Ele adora usar a frase “seu corpo suas regras” para se omitir das decisões que podem prejudicar a saúde da mulher e que fazem parte da vida sexual do casal. Nessa onda, o boy de Esquerda também não se sente responsável e nem preocupado com o uso de contraceptivos, afinal, “a mulher decide”. Ele até usa saia para protestar e se mostrar a favor da desconstrução de gênero, mas não se relaciona com mulheres trans. Não publicamente. A solidão da mulher negra não é um assunto que ele queira pautar, já que para isso ele teria que colocar em questionamento seus “gostos” e suas escolhas. O boy machista de Esquerda não acha importante tensionar seus relacionamentos monogâmicos ou não, e a supervalorização da beleza magra e branca enquanto a mulher fora do padrão merece likes, mas não o posto de namorada e “primeira dama” para andar com ele de mãos dadas por aí. 



E quando o boy de Esquerda resolve ser paizão no facebook? Posta foto com o filho e até faz textão sobre os maravilhosos finais de semana em que ele leva a criança ao parquinho e paga um sorvete. Mas o esquerdista paizão não deixa de viajar para militar e nem perde um só rolê cultural noturno para cuidar do filhote doente. Mas a mãe tem que entender né? Afinal, ele está lutando para deixar um mundo melhor para o filho. A pensão? Fica para depois, esse mês a bolsa atrasou.




O boy de Esquerda não é homofóbico, ele “até tem” um monte de amigo gay, mas as pautas LGBTTs não são prioridades porque a Esquerda é coisa de macho barbudo bebedor de cerveja e fumador de charuto. O que será que Che Guevara ia pensar de um monte de "bicha" comandando a revolução? 

E se a pauta for visibilidade lésbica... Ele tem amigas que namoram e curte todas as fotos das duas juntas. Mais amor, por favor. Mas de vez em quando escapa aquele convite para entrar na relação ou as perguntinhas indiscretas que ele pode fazer porque elas são “tipo um amigo homem”, só que não. Elas são mulheres e ainda são tratadas como mulheres, sob o olhar de fetiche e objetificação. O assunto “lésbicas” só tem graça se elas não ousarem ser protagonistas do movimento e dispensarem a presença de homens em espaços formativos auto organizados e de construção política.



O boy machista de Esquerda adora a desconstrução do amor romântico, mas transparência e lealdade não fazem parte dos princípios do jogo. Os acordos só valem para ele e do jeito dele. Ser sincero e objetivo com as mulheres envolvidas pode custar a fama de "feministo" sedutor, então na dúvida, ele não conta que está ficando com você e sua amiga ao mesmo tempo. Repare em volta e perceba que um jeito eficaz de enfraquecer nossa participação política em coletivos e nos desunir é minando nossas relações de amizade ao criar situações de disputa que envolvem afeto e insegurança. 

Confesso que não gosto de eleger algozes ou vítimas absolutas. Além de um misto de alerta, desabafo e relatos, esse texto também serve para repensarmos nossa postura diante desse tipo de homem e, principalmente, entre nós mulheres. Nenhuma de nós está imune a entrar em um relacionamento abusivo, a se sentir insegura em falar o que pensa em um debate ou de ser oprimida dentro de movimentos de Esquerda. Não estamos sozinhas e nem podemos deixar pra lá quando vemos outra mulher sendo enganada ou silenciada por um desses boys

Não pense duas vezes antes de conversar com a ex do seu atual, de observar como ele trata a irmã ou se ele lava as próprias cuecas em casa. Dizem que quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede. Para os boys machistas de Esquerda, fica a dica de que vocês também não passarão e que se você se reconheceu em algum trecho desse texto, repense seu papel na militância. A revolução será feminista, ou não será.
















3 comentários:

  1. Bóóó guria...que foda! Chorei de fora. Parabéns, belo texto. Luciano Becker

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  2. Li o texto com bastante atenção, porque queria entender mais sobre a realidade feminista/esquerdista. Foi produtivo para mim porque aprendi um pouquinho mais sobre as atividades e impressões que a autora, feminista-esquerdista, vive. Porém, não pude deixar de notar a importância que foi dada às aparências, inclusive às "curtidas que o boy de esquerda dá" e à "primeira dama do boy". Bobagens sem valor. Achei engraçado quando percebi que o boy de esquerda seria um cara que sustenta o filho com uma bolsa e dá a desculpa de atrasar o pagamento porque ela teria atrasado. Concluo que. ao menos neste texto, senti que a autora apresentou um raciocínio invejoso e imaturo. Talvez em outros textos o discurso seja diferente. Obrigadx de qualquer forma.

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