17 de julho de 2015

Espelho meu, espelho nosso.

Algumas das misses - Foto de Marcus Caetano

Beleza. Essa palavra carrega os mais diversos significados e sentidos. Historicamente, socialmente, culturalmente, filosoficamente e de vários jeitos a beleza é uma das coisas inexplicáveis da Terra. É divina? Vem de dentro? É só estética? É padrão? Beleza é um estado de espírito? Talvez tentando desvendar um pouco desses mistérios, fui assistir a um concurso de Miss para conversar com as concorrentes sobre o que é se sentir bonita.

Chego para acompanhar os últimos minutos de concentração das misses antes do desfile. O camarim é uma sala improvisada em um grande clube da cidade. Lá estavam as dez mulheres que depois de enfrentar três etapas e outras 59 candidatas, eram as finalistas. Faltando cinco minutos para o início da apresentação o organizador entra na sala esbaforido avisando que já estava tudo pronto e que ia dar certo. Ele parecia ansioso, mais do que elas. 

Confesso que em certa fase da adolescência já participei desse tipo de concurso. O bastidor era sempre de tensão e claro, entre várias adolescentes, também de insegurança. Uma competição por beleza pode ser algo extremamente desconfortável e por vezes até hostil. 

Mas as mulheres que concorriam a quinta edição do Miss Terceira Idade Ribeirão Preto estavam em festa. Entrei na sala quase sem ser notada e ao dizer que faria algumas perguntas fui atropelada por dez vozes falando ao mesmo tempo, comigo e entre si. Se o clima deveria ser de concentração eu não sei, mas ele era de animação com certeza. Sobre vaidade, ouvi de uma das candidatas que ela não colocava o lixo de casa na rua sem antes pelo menos ter passado batom. E lá do fundo uma outra voz gritou que gostava de se cuidar, mas que não usava maquiagem.


Misses no camarim - Foto do blog

Com o gravador ligado e tentando anotar algumas respostas, mas me confundindo com a conversa delas, fui salva pela chegada de uma das organizadoras do evento. Ela nos interrompe e avisa que o desfile já fora anunciado e que quem quisesse ir ao banheiro ou beber água teria que o fazer agora. Espontânea, uma concorrente diz: “Vou mijar” e sai rumo ao banheiro provocando riso das colegas. Enquanto fotografo os retoques finais no camarim, duas delas trocam informações sobre um short modelador para usar embaixo do vestido. Sem querer, clico a miss levantando a saia para mostrar o truque. Percebendo meu sorriso amarelo a finalista apenas diz que não se importa que fotografem. “Pode mostrar, não estou nem aí. Eu uso mesmo e minha perna é linda”. Aquela insegurança adolescente da menina que não se acha bonita ficou numa parte distante da história delas. São mulheres que têm entre 61 e 83 anos. Já passaram por casamentos, separações, filhos, perdas e as dores e delícias da vida que jamais me confidenciariam naquele momento. 


Miss Josefina Caetano  - Foto de Marcus Caetano

A segurança e a despretensão mesmo enquanto concorrem entre si, talvez tenham vindo com o que o tempo já mostrou a elas. O que percebo é que essas mulheres já não precisam mais provar nada a ninguém e estão ali para se divertir. Quando pergunto o que de melhor aquele momento traz, de várias formas ouço a mesma coisa: autoestima, amizade, socialização, conhecer gente nova. 






Algumas já participaram de outras competições de beleza, e outras viviam a experiência pela primeira vez. Mesmo diante desta diferença a empolgação parece ser a mesma e compartilhada. Familiares e amigos torcem aos gritos e com aplausos. Durante o desfile percebo a popularidade de algumas candidatas ao agitar a plateia e Zé, meu companheiro da mesa do lado, logo explica. “Essa daí é rainha do baile aqui no clube. Se você ver ela dançar, desacredita!”, disse. Mas eu não desacreditaria. Estava ali, diante dos meus (às vezes cansados) 24 anos, uma mulher de mais de 80 desfilando em cima de um salto de 20 cm e agulha! Haja classe e disposição.

Outra característica encantadora do Miss Terceira Idade, além do carisma das próprias misses, é a democracia e a diversidade. Não preciso fazer uma pesquisa muito profunda para saber que o histórico de concursos de miss não tem muitas mulheres negras, e que as medidas dos corpos são realmente medidas na fita métrica. Mas naquela tarde a beleza está representada por mulheres baixas, altas, no salto alto ou na sandália confortável. Negras, loiras, morenas, grisalhas e coloridas. Com andar apressado, caminhando lentamente, errando ou acertando o passo. Timidamente, quase dançando, acenando para a família ou apenas sendo uma clássica miss. Diversas. Se existe uma coisa que passou longe das misses foi a fita métrica para padronizar a beleza e torna-las todas iguais. Essa era a vantagem de estar ali, participando ou assistindo. 

Até pensei em finalizar esse texto contando quem foram as misses eleitas pelo júri. Mas seria tão clichê quanto dizer que qualquer coroação seria injusta, pois todas me mostraram beleza suficiente para serem coroadas. Ainda não sei ao certo responder minhas perguntas das linhas iniciais. Se beleza é algo divino, que vem de dentro ou só um padrão estético. Mas se é preciso ter uma moral da história, o que aprendi com essas misses é que a capacidade de sorrir é que faz a beleza do sorriso. 


Misses em festa - Foto de Marcus Caetano


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